sexta-feira, 11 de março de 2011

Cisne Negro - Black Swan (2010)


Adoro começos. Um dos meus maiores prazeres é ir a livrarias ou sebos para ler começos de livros. Dessa forma, acabo fazendo uma infindável lista de obras potencialmente interessantes. Lolita foi o começo mais arrebatador da minha vida. “Lolita, luz de minha vida, labareda em minha carne. Minha alma, minha lama. Lo-li-ta: a ponta da língua descendo em três saltos pelo céu da boca para tropeçar de leve, no terceiro, contra os dentes. Lo. Li. Ta.” A versão em inglês então. Puro esplendor fonético associado a uma paixão derramada em palavras. Peter Sellers eternizou essa fala no filme de Stanley Kubrick. "Lolita, light of my life, fire of my loins. My sin, my soul. Lo-lee-ta: the tip of the tongue taking a trip of three steps down the palate to tap, at three, on the teeth. Lo. Lee. Ta.” Penso em comprar o livro em inglês apenas para ter o prazer de abri-lo para ler o primeiro parágrafo.

Quanto ao cinema, posso citar vários. O inglês Trainspotting (1996) e o americano A Marca da Maldade (1958) eram até então incomparáveis para mim. Surge então Cisne Negro. Seu começo traz consigo toda a entrega de Natalie Portman ao papel de Nina. Para interpretá-la, praticou muito. O take único do diretor Darren Aronofsky mostra o resultado de todo o esforço da atriz. O visual onírico criado pela iluminação é permeado por um deslizar harmônico da câmera que nos antecipa o caráter intenso da película.

Nina (Natalie Portman) tem uma profissão. É bailarina. Isso não é suficiente. Moldada para a perfeição, a jovem se depara como um desafio. Ser a prima ballerina da companhia em que dança. Para isso, precisa encarnar a “cisne rainha” do Lago dos Cisnes de Tchaikovsky. Precisão técnica não é suficiente.

Lago dos Cisnes é um ballet em quatro atos baseado em um conto de fadas alemão. Um príncipe apaixonado por uma rainha, Odette, transformada em cisne por um feiticeiro (uma ave de rapina). O resgate à condição humana da moça só será possível por um homem disposto a jurar amor eterno. O príncipe quebra o juramento declarando amor por Odile, uma feiticeira que aparece na forma de cisne (negro) e o encanta por sua dança. Resignada, Odette aceita a má sorte. Vê o arrependimento do príncipe e o perdoa. O feiticeiro, impotente diante de tanto amor, inunda o lago. Odette se transforma em cisne e o príncipe em um ato desesperado se afoga, morrendo por Odette.

Ser “cisne rainha” implica representar os dois cisnes. O equilíbrio entre os lados é a chave da sensualidade humana. O príncipe se apaixona tanto pela candura do branco como pela lascívia do negro. É forçado a uma escolha. Opta pelo tradicional quando já é tarde demais.

Nina é um cisne branco perfeito. É aquela mulher doce e resignada. Uma não contestadora. Aceita o domínio da mãe e não demonstra ser uma pessoa feliz. Sua obsessão, porém, é tamanha que está disposta a tentar ser quem não é para atingir seu objetivo.

Thomas (Vincent Cassel), diretor da companhia, sabe que Nina é sua melhor bailarina. Lamenta por não ver sua preferida como capaz de interpretar o cisne negro. Estimulada pelo mesmo, Nina direciona sua obsessão na tentativa de provar o contrário. Simula uma atração pelo diretor. Esse ato contestador já é o primeiro passo para uma mudança.

A nova bailarina da companhia é Lily (a belíssima Mila Kunis). Nome ironicamente escolhido (lily é lírio em português. Flor relacionada à Virgem Maria, em homenagem à sua pureza). Destila toda a sexualidade e desenvoltura que Nina não tem. É espontânea e despreocupada. Tem o charme próprio do cisne negro, capaz de abalar uma estabilidade amorosa de juras de amor. Puro veneno.

Nina é incapaz de vislumbrar que o resultado do seu sucesso é dilacerante. A bailarina veterana Beth Macintyre (Winona Ryder) foi corroída por esse processo. Vê, com olhos amargos, o que para ela foi a maior glória.

Amargos também são os olhos da mãe de Nina (Barbara Hershey). Quase sem expressões faciais, vive a frustração de uma glória não alcançada. Seu quarto contrasta com o lado infantilizado da filha, cheio de bichos de pelúcia. Palco permeado por uma violência entre mãe e filha tão estudada por Freud.

O título do filme remete ao obscuro escondido da protagonista. Nina aprofunda no universo do desconhecido e parece levar Darren Aronfsky junto. O projeto do filme torna-se ousado. Mostrar o processo autodestrutivo. Físico e psicológico. E para isso são utilizados elementos de terror cinematográfico. Estão quase todos lá. Os sustos, as imagens de espelho, o ponto negro ao fundo desfocado a se revelar, as cenas repetitivas, a mutilação e até uma transformação corporal (assim como acontece no filme de David Cronenberg, A Mosca). Tudo ao som de Tchaikovsky. O diretor vai tateando o conceito de alucinação, de uma forma até cansativa e não chega a atingir o mesmo efeito impactante conseguido em Réquiem por um Sonho. Isso não é problema. Nina é quem está perdida e não o Aronfsky. E talvez esse é o motivo de o filme ser tão bom. Natalie Portman deixa o espectador desorientado.

Darren Aronfsky é um diretor de detalhes, capaz de me abalar pela beleza de uma história como a de O Lutador com Mickey Rourke. É um diretor humano, demasiado humano. E assim falou Nietzsche. "Raramente se engana quando se liga o exagerado à vaidade, o medíocre ao costume e o mesquinho ao medo”.

A bailarina só queria ser perfeita. O advérbio “só” não atenuou nada. Privou-se de uma vida por isso.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Machete (2010)


Danny Trejo parece ter nascido para um único papel. Você já o viu várias vezes mas não sabe o seu nome. Precisa de um mexicano, de preferência vilão? Chame Danny Trejo. Outro exemplo é o croata Rade Serbedzija que se presta a qualquer papel que precise de um europeu oriental. Contrário ao ideal de Javier Bardem que perde muito dinheiro ao negar superproduções que o querem como “o espanhol”, Danny Trejo nunca viu problemas em ser “o mexicano”.

A idéia de Machete surgiu como um trailer fictício entre os filmes Planeta Terror e À Prova de Bala. Traz consigo toda a aura de um filme B. Fanáticos pelo gênero sonharam como seria um filme protagonizado por Machete! A partir de então, Danny Trejo virou celebridade. O agora conhecido mexicano era parado e ovacionado por onde passava. Todos queriam a realização do filme.

Robert Rodriguez se rendeu. Transformou seu trailer em filme. Cenas foram refilmadas com os mesmos takes de câmera. Machete torna-se uma realidade. Trejo faz seu primeiro papel principal.

O desafio de Rodriguez é fazer um filme tão vibrante quanto seu trailer. Planeta Terror lhe deu segurança. Fazer um filme B hollywoodiano nos dias atuais é possível.

Na realização de outro filme B, Robert Rodriguez acerta parcialmente. A estética setentista desse gênero é vista apenas em cenas iniciais e finais, fazendo com que o meio da película seja uma produção atual de qualidade duvidosa.

A roteiro do filme complica-se já de início pois Rodriguez é obrigado a se basear em seu trailer. Fala de um ex-agente federal mexicano (Danny Trejo) que é chantageado para assassinar um senador (Robert De Niro). O senador teria como propósito realizar uma “faxina étnica” contra a imigração ilegal mexicana. Questões do narcotráfico estão envolvidas. Steven Seagal é Torrez, está ótimo como um chefe do narcotráfico com dotes em artes marciais.

Nada disso parece interessar no filme. Machete tem como arma seus ingredientes. Honrando a culinária mexicana, Rodriguez deixa o filme sempre quente. Principalmente por causa de suas personagens. Michelle Rodriguez e Jessica Alba têm raízes mexicanas. A primeira esbanja sua beleza selvagem, indomável. Uma beleza inata às combatentes (no filme é uma guerrilheira). Já a segunda faz o tipo de beleza frágil. Sua pequenez contrasta com a massa de músculos de Machete. Todas suspiram por Machete.

Lyndsay Lohan é um caso à parte. No filme é April. Filha patricinha do executivo (Jeff Fahey) que financia a campanha do senador . Semelhanças com a vida pessoal de Lohan até aí são muitas. A mini atriz da Disney hoje é manchete por abuso de drogas. A April do filme, porém, cai nas mãos de Machete (sexualmente falando) e protagoniza uma improvável cena de “ménage à trois” com sua mãe (Alicia Marek) e o feioso. Seminua em quase a totalidade do filme, Lindsay Lohan termina em trajes de freira. Uma freira nada convencional.

A candura visual de Lindsay Lohan contrasta com as cicatrizes de Danny Trejo. Machete é o “fodão” em todos os sentidos. Machete diz, por suas atitudes, que agora é sua vez. A vez do povo mexicano. Uma cena de sexo, mesmo que implícita, nos dá a impressão que é a voz reprimida de um povo relegado a papéis e empregos secundários no país de Hollywood dizendo “agora é a minha vez”.

O caminho do roteiro é perigoso. Um filme que era para divertir pelo seu nonsense pode trazer questões sérias implícitas. Ficamos nós, os espectadores, numa dicotomia entre entendermos que questões étnicas devem ser tratadas com mais respeito ou esquecermos o politicamente correto e curtirmos toda a pancadaria e explosão de filmes B propostas no trailer original.

Este é o trailer original. Feito para ser colocado entre os filmes de Robert Rodriguez e Quentin Tarantino.